Santa Luzia, como inúmeras
cidades brasileiras, não está isenta de ter a política permeada de anedotas e
de ter suas lideranças identificadas por apelidos pitorescos como a “baraúna”,
a “soda preta” ou o “biscoitão” .
As campanhas já foram muito
animadas porque, em meio a tensão da disputa pelo voto, as atividades também
tinham seu lado cômico. Os arrastões realizados no sábado de manhã na feira, os
comícios com bons oradores, cantadores de viola que se apresentavam com motes
que insultavam o candidato. Quem não se lembra das charangas?
Os mais jovens como eu não
presenciaram períodos em que se arrastava troncos de baraúna pela cidade; em
que se comia soda ou que se distribuía biscoito nas passeatas. A questão da
subida da rampa do hospital que remonta ao tempo em que havia um prefeito
chamado dr. Ney. A famosa passeata da mentira. A comparação dos arrastões e
a contagem dos carros na carreata. Cada um desses elementos simbólicos indicava
a filiação ideológico-partidária e isso é, de certa maneira, muito legítimo e
inerente, é verdade, ao processo da campanha eleitoral.
As comemorações, praticamente
quase todas feitas por um só agrupamento político que vem se renovando no poder
há várias décadas, também acabaram marcando esse imaginário da política. Como as
águas de 2012 foram turvas, não se ouviu tanto, mas recordo-me bem em outras eleições
do carro de som do Fernando tocando bem alto a música “a gargalhada” de Nelson
Gondim. O que mais me chocou foi uma passeata da vitória em que os partidários
do vitorioso penduraram em um jumento grandes mantas de carne de sol escorrendo
sangue para chatear o derrotado que era cirurgião plástico dos mais renomados e
queridos que Santa Luzia já teve.
Tudo isso faz parte do que eu
chamo “anedota política” para não usar o termo folclore. Algumas dessas
anedotas, além de serem indicadoras da disputa, eram e ainda são expressão de
desigualdade e algum tom de violência ainda que simbólica como diria o Bourideu. Tais anedotas não levam Santa Luzia a lugar
nenhum.
O primeiro exemplo é a
história de ser do cordão. Esse termo vem do pastoril que é um folguedo popular
no qual se encena o nascimento de Jesus Cristo. Formam-se dois cordões, um azul
e outro encarnado (vermelho), e dança-se batendo em panderolas com fitas nas
citadas cores. A conversa é longa, mas basta resumir dizendo que isso se transpôs
para política e significa que dependendo do cordão que você escolhe ou você é
situação ou oposição. E, graças a essa anedota do cordão, é que tem gente que
não faz compras na loja do fulano que é do cordão tal, ou não pode falar com
sicrano do cordão oposto ou alguém atende com má vontade e sem educação beltrano
pelo fato de ser do outro cordão ou a comadre já vai falar com o compadre pensando
que ele vai atender mal por causa da divergência. Isso acaba, a meu juízo,
sendo uma forma de impor a submissão de um grupo a outro e segregar as pessoas
em dois grandes grupos: os incluídos e os excluídos.
Outra ainda pior: “você vai
pra bomba”! “Não vote em fulano senão você vai pra bomba!”... Na prática, não
significa que votar em determinado partido vai resultar em derrota eleitoral,
mas no transtorno de, além da derrota, ter de suportar alguém soltando fogos de
artifício ou mesmo bombas em sua porta. Não podia deixar de encerrar com a anedota
mais tosca (infelizmente, não terei como esconder o remetente): a faixa
colocada em praça pública saudando o rei do Vale. O Vale do Sabugi já foi
monarquia (na cabeça de quem mandou fazer a faixa).
Minha conclusão: esses
elementos cômicos não vão desaparecer totalmente. Mas, o problema é fazer da
política uma brincadeira. Acho que décadas vividas sob esse esquema de
pensamento nos tiraram o direito de olhar o que existe além do muro. Temos perdido
a chance de contemplar o horizonte e perceber que o nosso potencial é de sermos
muito mais do ponto de vista do emprego, da educação, da cultura, do lazer, do
meio ambiente etc. Não escrevo isso para dizer que A é melhor que B. Mas é que
os tempos atuais exigem muito mais que uma anedota convincente...É como penso.
Texto fantástico! Uma leitura lúcida da política do Sabugi, sobretudo, de sua ordem de domínio subsequente ao longo das décadas.
ResponderExcluirBelo texto, só não chamaria esta palavra usada de LÚDICO(sempre tem um desenvolvimento cognitivo) e sim cômico. Sua conclusão foi sensacional, espero que esteja errado quando relata que esses elementos não vão desaparecer.
ResponderExcluirWagney, obrigado pela sugestão. Ao rever meu texto acabei incorporando sua opinião. Abraço.
Excluir