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Estórias de assombração em Santa Luzia: a Cabra-Cheirosa

Eu, quando menino, fiz xixi inúmeras vezes na rede por medo de ir ao banheiro. Isto acontecia, sobretudo, nas noites em que os adultos se reuniam para contar estórias de assombração ocorridas em Santa Luzia. Uma dessas histórias era da figura da “Cabra-Cheirosa”. Algumas das tais estórias marcaram tanto e povoaram pesadelos e urinadas na rede que o tempo não foi o suficiente para fazê-las cair no esquecimento.

A tal “Cabra-Cheirosa” se apresentava como uma mulher, com pés de cabra, de branco, cheirosa e que andava balançando chocalhos nas noites pelas ruas de Santa Luzia. Ela vagava em busca de homens. Foi assim que ouvi as descrições e que pude, em decorrência delas, criar a imagem desse ser mágico que só quando cresci foi que descobri do que se tratava.

Contou-se lá em casa que um tio-avô meu, nas suas passeadas noturnas, haveria entrado pela madrugada. A rua estava deserta e apenas as folhas secas e o lixo passeavam embalados pelo vendo que assobiava fazendo a cena ficar ainda mais assustadora. De repente, os cachorros começaram a latir. Esse latido se tornava ainda mais alto, mais frequente e mais histérico. O som dos latidos se fez acompanhar do balançar de chocalhos que, de distantes, se fizeram ainda mais próximos. Esse meu tio apressou as passadas chegando a quase correr. Quanto mais rápido andava, mais perto sentia o balançar dos chocalhos como se estivessem perseguindo-o.

Uma vizinha fofoqueira acostumada a fiscalizar quem entrava e saia naquela rua abre a janela, mas a fecha rapidamente. Um cachorro salta no portão e, raivosamente, late como se estivesse tentando intimidar algo que fosse ameaçador. Meu tio-avô andava apressadamente e, de repente, eis que na penumbra gerada por uma árvore de copa frondosa, ele vê aquela mulher de branco. Não identificou quem era, apenas os traços de uma mulher com cheiro muito agradável e forte. Ela não falava nada. A figura manteve-se de pé meio que ensaiando uma saída da penumbra na direção dele.

Se tratando de uma figura muito comentada, ele não quis experimentar qualquer experiência de contato direto com este ser. Aquilo que era uma caminhada apressada se tornou uma verdadeira maratona o que fazia aumentar as latidas dos cachorros. Não se sabe o que faria o ser fabuloso ao contato direto, mas o que todos da casa de minha vó souberam foi que meu tio não é tão corajoso tendo em vista que quase põe a porta abaixo e quase acordava a rua toda com seus gritos de "abre aqui".

Cresci ouvindo estas narrativas que fazem parte do imaginário e folclore santaluziense, mas, graças a elas, sempre tive medo de ficar na rua brincando até tarde e, mesmo grande, sempre tive o hábito de estar em casa cedo assim como era com a geração de meus pais. Aprendi que a minha casa era o lugar seguro e tranquilo livre de seres "assombrosos" como Papa-figo, Velho do Saco, Caipora ou Maria Florzinhaetc. Sobre o tal ser aqui descrito, ele realmente existiu e não era nada sobrenatural. Saberá o leitor(a) explicar o que era, afinal, a “Cabra-Cheirosa”? 

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