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Por que jogar fora a roupa velha? 3/3 - Rota autêntica

Daniel Vargas*
No primeiro post da série, abordei como o surgimento da nova classe média vem acompanhado de mudanças importantes na sociedade brasileira. 


No segundo post, examinei como essas mudanças revelam algumas das feridas históricas de nosso país. Também defendi que o Brasil hoje possui rara oportunidade de exercer uma 'opção nacional' de jogar fora a roupa velha e construir as bases de novo modelo de desenvolvimento. 


Após abordar mudanças na economia e na educação, agora examino mudanças na política e no Estado, tão decisivas para fixar nova rota nacional.

10. A política brasileira precisa se transformar

A medida mais premente é realizar uma reforma que emancipe a política brasileira da influência do dinheiro – ou política continuará a ser vista como atividade suja e menor.

Também é fundamental mudar, na raiz, a concepção do constitucionalismo brasileiro.  Constituição não é para dizer que não pode, que não dá, para frear ou interromper a política.

Ao contrário, precisamos de Constituição para ativá-la, para reunir e comprometer o melhor de nossas inteligências e de nossa energia no enfrentamento de nossos problemas mais prementes e na realização de nossos sonhos mais elevados.

Para isso, deve-se substituir o esqueleto de aço do federalismo e da separação de poderes no País por regras mais maleáveis, que permitam e estimulem a colaboração entre os poderes e entre os entes federados.  

Também é importante oxigenar a democracia representativa com canais de participação direta, ampliando os canais de participação política, seja via plebiscitos e referendos, seja via organização popular em redes de iniciativa e empreendedorismo.

11. Modernizar o Estado 

Deve-se mudar o Estado em nome da realização deste novo modelo de desenvolvimento.  

O Estado reconstruído resultará da combinação de três tarefas.  

A primeira é aprofundar a profissionalização da administração pública, reduzindo o número de cargos comissionados de livre nomeação por quadro profissional qualificado, supervisionado interna e externamente, e operando segundo metas flexíveis.  

A segunda é adaptar, ao setor público, métodos e princípios típicos do setor privado.  A administração pública deve pautar-se pela eficiência, mas sem perder de vista que, no caso do Estado, a eficiência é ditada por normas públicas e não pela ação livre do servidor.  

A terceira é flexibilizar os critérios de prestação de serviços públicos, como saúde e educação, aproximando o Estado, o mercado e a sociedade civil, em regime de colaboração, na satisfação de fins sociais. 


12. Rota autêntica
O conjunto de medidas apresentadas aqui e nos posts anteriores, em grau intermediário de generalidade, mostram rota autêntica para o desenvolvimento do País, capaz de oferecer à grande maioria do seu povo a chance de aprender, trabalhar e produzir.

Ao fazer isso, o Brasil também pode servir de inspiração para nossos irmãos latino-americanos e africanos, para nossos amigos asiáticos, e de lição para a Europa e os Estados Unidos no seu desafio atual de superar a crise do arranjo social-democrata.  

No século XIX, Hegel dizia que a instalação de nova consciência no novo mundo – os EUA – representava a expansão do espírito.  Espírito, para Hegel, significava forma de vida auto-consciente, energia reflexiva, luz própria.  Os Estados Unidos, por assim dizer, representavam a expansão auto-consciente das possibilidades de pensar e de agir no mundo.  

Hoje, o novo mundo é a América Latina, a África e a Ásia.  É nessas regiões que o mundo começa a presenciar uma nova etapa da expansão do espírito. A ascendência da classe média no Brasil e o seu efeito ácido sobre a forma dominante de organização da economia, da sociedade, da cultura e da consciência escancaram o futuro diante de nós.  

Cabe só a nós, agora, decidir se vamos assumir essa responsabilidade e construir um novo modelo de desenvolvimento, que abrace a classe média, una o País e contribua com a humanidade, ou se vamos continuar vestindo a roupa velha.
 
 
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* Daniel Vargas, amigo de João Telésforo,  faz doutorado em Direito na Universidade de Harvard e trabalhou na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República durante o Governo Lula (tendo chegado a ser Ministro Interino)
A Série completa pode ser encontrada no blog Jogue fora a roupa velha para acessar clique AQUI

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