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Angústias de professor

Termino esta semana compartilhando com todos os leitores do blog as minhas angústias de professor de Sociologia. Me formei em 2009, no mesmo ano tive a minha primeira experiência de ensino no Colégio Estadual da Prata em Campina Grande. Por ser novo e não conhecerbem a escola, fui premiado com as turmas ditas "problemáticas" do ensino regular do 1º ano e do ensino técnico do 2º ano de Auxiliar de Escritório. De fato, encontrei alunos trabalhosos que, vendo que eu era recém egresso na docência, me fizeram toda sorte de testes na tentativa de destabilizar-me. Contudo, sendo eu também aluno, conhecia todos os truques e nunca deixava me abater. Ao final do primeiro mês consegui colocá-los sob minhas regras. A experiência não foi traumática como fora para outros colegas.

O trauma veio depois quando eu tive a chance de lecionar no ensino superior. Desde 2010 estou responsável pela disciplina de Introdução à Sociologia para alunos que outros departamentos que não o meu. No ensino superior, independentemente do curso, introdução à sociologia, geralmente, vêem também uma sociologia aplicada à sua área tal como sociologia da saúde, da administração, industrial, da comunicação etc.

A minha decepção foi ver que, embora os alunos do curso superior não tenham problemas de assiduidade, os problemas de indisciplina existem no sentido da leitura dos textos da disciplina e da escrita de trabalhos. Alberto Rodrigues em Breve Sociologia do professor Virtual relata um problema comum de alunos de cursos superior que é a pouca capacidade de ler, interpretar e escrever. Chega a afirmar que os alunos não conseguem escrever, sequer, um período completo com coesão, clareza e correção.

Imaginava eu que este fosse um problema dos alunos do ensino médio, como eu próprio tinha percebido. Entretanto, constatei que esse é um problema que perpassa o ensino médio e chega à academia. Não há um amadurecimento em relação à necessidade de se ter domínio sobre a leitura e a escrita. Muito mais que isso, falta aos alunos a capacidade de pensar relacionalmente, criar nexos e cadeias coerentes de argumentos para expressar suas idéias, mesmos quando se trate expressar um projeto eminentemente da área de exatas ou naturais. Os alunso estão mais preocupados com CRE (Coeficiente de Rendimento Escolar) e Leite (uma espécie de cola usada para resolver as provas que, diga-se de passagem, são as mesmas desde as décadas mais remotas, razão pela qual os alunos passam uns para os outros o famoso leite). os assuntos conversados pelos alunos, são em geral, festas, bebedeiras, estudez vista no youtube, a exemplo do vídeo "eu quero estudar na FACISA" mais acessado ultimamente.

Quero dizer que não há uma distinção entre o aluno do ensino médio e o do superior quanto à mentalidade. Apenas na hora final do curso, em que se vê obrigado a escrever sua monografia e do estágio é que estes alunos acabam amadurecendo. Está em curso um processo de imbecilização das mentes que significa perca de capacidade de pensar globalmente, ter visão de futuro, entender os conflitos, ter consciência histórica, ser capaz de dialogar, se interessar menos no coletivo e mais no individual mesmo que isso implique práticas até criminosas.

A fragmentação do saber é, segundo Edgard Morin, um drástico aspecto da universidade contemporâneamente. Em A Cabeça bem feita, repensar a reforma e reformar o pensamento, o sociólogo destaca, por um lado, a valorização dos saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários. Diz ele que:

Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (de seu
meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas
correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar.
Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está
ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa
desordens ou contradições em nosso entendimento

Assim, o empobrecimento da formação do indivíduo pela compartimentação do saber e, portanto, na seleção das diversas possibilidades de abordar e conhecer o mundo. Isso é ruim para Sociologia, que tem sido uma disciplina marginalizada tanto no ensino médio como no superior. Sua contribuição poderia ser maior se fosse dado mais espaço. A sociologia, entre outras coisas, nos ajudaria a entender as problemáticas que enfrentamos de modo global, nos faria perceber quais os atores envolvidos, quais responsabilidade. Como diria, Bourdieu, faria todos nós entender a causa do sofrimento.

Morin defende que "Quanto mais desenvolvida é a inteligência geral, maior é sua capacidade de tratar problemas especiais. A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência geral." Acredito que a Sociologia poderia oferecer, juntamente com outras discipilnas, a base para se entender os problemas e as possiblidades de resolução. Ela ajudaria a perceber relações entre coisas que, aparentemente, não teriam nenhuma ligação, como a relação entre meio ambiente e desenvolvimento tanto no seu pólo negativo "o crescimento econômico gera desequilíbio ambiental" quando no seu pólo positivo " a reeducação dos hábitos pode gerar qualidade de vida".

Temos que reformar o pensamento. Enquanto isso não acontece, ficamos sob a constante angústia de professor.

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