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Lista fechada: oferta e demanda

por Cláudio Gonçalves Couto -

Em decorrência das recentes decisões da comissão de reforma política do Senado, ganhou relevo no debate público um aspecto particular da possível mudança de nossas instituições representativas. Trata-se da possível adoção da lista partidária fechada nas eleições parlamentares proporcionais - para deputados (estaduais e federais) e vereadores. É natural que esse tema seja o que tenha ganho maior atenção do público, da mídia e dos analistas, já que esta seria a mudança mais radical em nosso atual sistema representativo, caso adotada. Mais radical, entenda-se bem, porque introduziria em nosso sistema político uma forma de eleger representantes nunca antes adotada na história deste país.

São dois os principais argumentos brandidos contra a lista partidária fechada. Um deles foi apresentado, dentre outros, por Fabiano Santos (Iesp/Uerj) em artigo publicado na "Folha de S. Paulo" no sábado.

Diz o colega: "Fechar a lista é cassar um direito - o direito dos eleitores de escolher, além do partido de sua preferência, também o candidato, que aos seus próprios olhos, mais se aproxima do seu ideal de representante." De fato, é inegável que ao fechar-se a lista retira-se dos eleitores a possibilidade de oferecerem seu voto a uma pessoa específica, facultando-lhe apenas a escolha entre partidos, num pacote fechado. A questão que precisa ser levantada é se tal mudança é, por si só, ruim. Ou, posto de outra forma, cabe perguntar o que gera um resultado global melhor: um sistema no qual o eleitor tem a liberdade de votar no seu candidato preferido numa lista aberta, mas cujos resultados globais são-lhe insondáveis, ou outro, no qual é maior seu conhecimento prévio sobre os possíveis efeitos de seu voto para a composição da casa legislativa, pois vota num pacote de candidatos cuja chance de chegar ao parlamento é conhecida, pois a ordem é pré-estabelecida.

Lista fechada muda oferta e demanda de candidatos

Estudos de outro cientista político do Iesp/Uerj, Jairo Nicolau, mostram que no atual sistema apenas cerca de um terço dos eleitores votam em candidatos proporcionais que ao fim e ao cabo são eleitos. O restante ou vota em candidatos que não se elegem, ou na legenda, ou vota em branco e nulo. Embora esse um terço possa, ao final, ficar bastante satisfeito com o resultado de sua escolha, achando que seu voto surtiu efeito, o restante não interfere conscientemente no resultado da eleição. Quem vota na legenda pode ajudar a eleger qualquer um, numa ordem que é totalmente desconhecida de antemão; quem vota nos derrotados, ajuda os partidos a compor sua votação global e, portanto, contribui também para eleger outros candidatos. Quem vota branco ou nulo tem maior conhecimento sobre os resultados prováveis de sua decisão: não interferirá na composição das casas legislativas naquilo que concerne à identidade dos eleitos, apenas influenciará passivamente na definição do quociente eleitoral.

Portanto, é ilusória essa capacidade do eleitor de influenciar decisivamente na composição individual das casas legislativas. Na maior parte das vezes ele compra gato por lebre, pois vota em um e elege outro. É este notadamente o caso dos eleitores que, por exemplo, votaram em Tiririca, mas elegeram Protógenes Queirós. E isto não vale apenas para quem vota nos "puxadores" de voto (os muitíssimo bem votados), mas também para quem vota nos "empurradores" de voto - os pouco votados individualmente que, no agregado, contribuem para o partido compor seu percentual de cadeiras. Para sumarizar, o problema do argumento brandido por Fabiano Santos é que ele superestima o lado da demanda no processo eleitoral, esquecendo-se dos efeitos que essa demanda agregada pode ter sobre a composição das bancadas e o entendimento que o demandante (o eleitor) tem dos resultados líquidos de seu voto.

O outro argumento foi ilustrado anedoticamente por Elio Gaspari em sua coluna dominical. Ele lembrou de relato de Aldo Rebelo, que após tentar convencer Miguel Arraes das vantagens da lista fechada teria dele ouvido o seguinte questionamento: "O senhor sabe me dizer quanto vai custar um bom lugar nessa lista?". A pergunta de Arraes é tão divertida quanto marota, pois caberia perguntar também: "O senhor sabe me dizer quando custa hoje uma campanha capaz de eleger um deputado no atual sistema?". Ora, o sistema eleitoral de lista aberta obriga os candidatos que pretendem ser competitivos a obter votos não apenas em seu "reduto" eleitoral específico, mas de forma espalhada por toda a circunscrição eleitoral, ou seja, o Estado no caso dos deputados e o município no caso dos vereadores. É o que comprova Glauco Peres da Silva em excelente tese de doutoramento defendida na FGV-Eaesp em 2009. Um sistema deste tipo torna a campanha individual caríssima, de modo que só os muito endinheirados (com recursos próprios, de doadores de campanha ou do próprio partido) serão eleitos, com raríssimas exceções. É um claro convite à corrupção e a formas ilegais de financiamento eleitoral.

O sistema de lista fechada permite uma campanha "no atacado" pelo partido, muito mais barata do que as milhares de candidaturas individuais. A mudança se dá do lado da oferta do processo eleitoral, gerando ganhos de escala e de transparência. Mesmo que haja o risco de compra de lugares na lista, o processo torna-se mais perscrutável, pois os partidos podem ser cobrados publicamente sobre suas escolhas relativas à ordem dos candidatos. No atual sistema os caciques partidários distribuem recursos eleitorais de forma muito pouco compreensível ou fiscalizável, beneficiando desigualmente os candidatos de acordo com suas preferencias e favoritismos. Há muito pouco que possa ser feito para identificar como se dá a distribuição do dinheiro e coibir tal prática. Ou seja, a oligarquização não seria causada pela lista fechada: ela já existe hoje e é traduzida na distribuição desigual e intransparente de dinheiro pelos caciques partidários aos diversos candidatos. Teme-se criar uma oligarquia, mas ela já está aí hoje, em sua pior forma: a plutocrática.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV

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